Thursday, August 28, 2003

A memória do cheiro

Por aqui caíram hoje as primeiras chuvas deste verão. Ligeiras, breves, mas suficientes espalhar no ar o cheiro a terra e a estrada molhadas. É a memória do cheiro do fim do verão, do Verão antigo, o das Férias Grandes. O verdadeiro verão, quando se comiam na praia sandwiches que nunca tinham sido feitas por nós.

As primeiras chuvas, por mais breves e passageiras, por mais distantes que ficassem das próximas, já em Setembro, são as chuvas do fim do Verão.

Nos dias seguintes começavam as idas a Lisboa. Para matricular e escolher a turma em conjunto com os amigos, depois para passar a lista dos livros que ia ser necessário comprar.

No primeiro dia de chuva, trocava-se a praia pelas bicicletas, ensaiavam-se derrapagens nas pequenas poças, e não apetecia comer gelados.

Cheirava a terra molhada, antecipando o Outuno, que ainda demoraria a chegar, mas que se anunciava assim. O Verão ia acabar. Só então sabíamos. Os amores de verão começavam a pensar mais no adeus do que no encontro, as ondas iam crescer, lá mais para Setembro, quando viessem as marés vivas e o mar inundasse o areal, provocando fugas súbitas de gente, cães, toalhas, enquanto alguns pares de ténis se afogavam na rebentação.

As árvores ficavam mais verdes - disso tenho a certeza, a límpida memória - provavelmente porque as gotas da chuva lhes limpavam o pó.

No dia seguinte regressava-se à praia, mas a praia já não era a mesma. Havia humidade e a linha que separava a maré alta da areia seca tinha-se perdido. O Verão ia acabar.

Havia um tempo em que o tempo era assim, feito apenas de sinais. Agora, é a folha do filofax que me diz quando acaba o meu verão. E as folhas do filofax têm todas o mesmo cheiro.



Wednesday, August 27, 2003

Desculpa

Diz-se tão pouco. Sente-se tão menos. Faz tanta falta.

A praia. Ou não exactamente isso.

Gosto de praia. Quer dizer, gosto de sol, de areia, de mar, de mergulhar, de passar horas deitado a ler indeciso entre o livro e o banho. E gosto de gente. De alguma gente. A mistura - de gente e praia - no entento, acho-a perigosa. E com clara tendência para correr mal.

Hoje, na praia do Carvalhal - Zambujeira - onde devia ter o bom senso de nunca ter voltado desde que destruíram o que era o melhor bar de praia de Portugal, comprovei o mau a que a mistura pode chegar.

Desde que cheguei que três criancinhas com uns quatro ou cinco anos passam o tempo todo a berrar. E todo não é uma figura de estilo.
Junto ao mar, as três horríveis crianças, correm para a água, berram, e regressam. Estridentes, sob o olhar desinteressado de uma prima. Estou já tão farto do berreiro, que digo às crianças «não se grita». Péssima ideia. Passados dez minutos, o pai dos monstrinhos, um rapaz de caracóis, pêra alargada sobre o queixo, duas argolas nas orelhas e um fato de banho branco com uma bandeira, vem para junto de mim, com as crianças a berrar, ver se vou reagir. Claro que sim. O homem esperava que eu fosse descompôr as crianças para me gritar que quem dava ordens aos seus filhos era ele, ou coisa assim. Mas não, com o pai ali, era mesmo com ele que queria falar. «Não se importa de dizer às suas filhas que não gritem?». Importava-se, pois claro. «Não tem filhos? Pois. Se não saberia que não há como as calar. E, além disso, é assim que se divertem». Confesso a impotência: não fui capaz de responder, de tentar explicar que havia mais dez crianças na praia e nenhuma se portava assim, que se tivesse filhos intoleráveis em público os levava dali para fora, que com certeza ensinaria, com persistência se fosse necessário, os meus filhos a não gritar - pelo menos tanto e tão insistentemente. Nem tentei dizer que as pobres das crianças não tinham culpa nenhuma, que pela resposta era evidente que a culpa era da má educação que estavam a receber. Não ia mudar aquele mundo, mudei eu de sítio.

Por um momento achei que decididamente detestava praia, pelo menos assim. Pensando bem, não é isso. Detesto os modernos pais destas crianças. O homem de facto não deve sequer ter pensado que os estupores das filhas estavam a incomodar toda a gente. Não digo que lhes estivesse a achar graça, isos era impossível, até a ele a berraria teria de incomodar. Simplesmente o conceito de incomodar os outros não deve prencher os mínimos necessários para integrar o seu reduzido universo. Pensar que alguém, fora de nós, pode ser incomodado pelo que fazemos, e que isso nos obriga a agir, ou não agir, para o evitar, exige que se conceba o tema do respeito pelos outros. Do respeito, em geral.

E é aqui, só aqui, que o problema da praia surge. Colocarmo-nos, livremente, num local infestado de estranhos, semi-nus, convencidos de que ali estão para se divertir, para se sastisfazer, é um risco, mais, é uma probabilidade absoluta, de sermos vítimas da falta de respeito pelos outros que os outros normalmente têm.

E é só por isso que o episódio de hoje me interessa. E me incomoda. O repeito não é nada de antiquado ou autoritário. É um problema de educação. Nas filas, no trabalho, na vida.

*

Sim, estou reaccionário. E se calhar velho. Ou cansado de gente assim.

Tuesday, August 26, 2003

Nada

Há estrelas enormes, ou muitas. Há música. Só não há «tu».
Até uma vela há

Sem título

Fazes fome, dás olheiras, aumentas a temperatura, dóis-me
tiras-me forças, molhas os meus olhos
roubas o apetite, não tens remédio.

Deves ser uma doença.

Melhorias

Evidência de esplanada - quando as famílias, em tarde de verão, se juntam todas: há uma manifesta melhoria da espécie. Ou então os carteiros das mães destas criaturas eram todos muito giros.

Ao acaso

Já me tinham avisado: «Do Ancão à Zambujeira no mesmo dia é um choque cultural». É.

Saturday, August 23, 2003

A memória

Todos os dias a mesma coisa. Sempre às seis da tarde.
O homem, que terá uns sessenta e alguns anos, desce a falésia pelo caminho estreito, atravessa o pequeno areal, abre a toalha e despe-se. Ao lado, o neto caminha esticado. Em silêncio, como é suposto quando nos sentimos grandes pela companhia.
Deitam as dua toalhas juntos, esperam um pouco e entram no mar. Sem palavras, o avô é silencioso, nadam para o centro da pequena baía, andam de um lado ao outro, e regressam, meia hora depois. Deitam-se, esperam que a pele seque, o neto trepa meia rocha, e então vestem-se e vão-se embora. Todos os dias.

O miúdo tem a pele queimada, prova de que de manhã também terá ido à praia, provavelmente com os pais. Imagino-o irrequieto, a querer barbatanas, bolas, atenção. Mas de tarde não, de tarde fica em silêncio, a ver o avô, a segui-lo.

Um dia, quando o avô morrer, e os avós costumam morrer, ele há-de vir aqui, lembrar-se destes fins de dias e chorar.

A memória pode ser uma tragédia ou uma felicidade. E o choro também.

Este gajo é um génio

Do you Love me?

De vez em quando lembro-me de uma amiga, psicóloga, que garantia que todos vivemos com um sinal na testa a dizer : Love me.


Custa, mas é verdade.

É por isto que me irrito

Leio no Cruzes Canhoto - que tem uns posts bem bons - o seguinte: « A TRÉGUA ISRAELO-PALESTINIANA ACABOU após o assassínio de um dirigente do Hamas.»
Não vou entrar em discussões longas sobre o médio Oriente, mas será suposto achar que o atentado no auto-carro era parte da trégua? São estas coisas, que eu acho que não são honestas intelectualmente, que me fazem escrever sobre Israel com uma agressevidade desajeitada.

Os conservadores e a sexualidade

Parece que me pendurei à boleia do Desejo Casar , mas a verdade é que alguns posts convidam mesmo a uma resposta ou, melhor dizendo, a uma continuação.

Pelo que li, parece-me que BR acha contraditórios os posts conservadores e a homossexualidade de alguns autores citados. Posso estar enganado e ele nem querer dizer isto, mas mesmo que assim seja, e como sugere o tema, é boa razão para post.

Nunca percebi - melhor dizendo, nunca aceitei - que fosse suposto haver uma contradição dramática entre o conservadorismo e a homossexualidade. Bem sei que os discursos sobre os direitos dos homossexuais são típicos da esquerda - sobretudo de certa esquerda. E que à direita de se encontram - nos blogs já encontrei - ataques furiosos à homossexualidade. Também sei, e obviamente que não sou o único a sabê-lo, que à esquerda é frequente optar-se pelo silêncio público sobre o tema quando o que se pensa é pouco aceite pelo grupo.
Dito isto, e tentando ser curto, queria tentar dizer pouco mais.
Um conservador não é necessariamente um reaccionário. Em bom rigor nem deveria ser. Defender a família não á proclamar a urgência de cada um constituir a sua. É apenas dizer - para mim, pelo menos - que a família tem direitos sobre o Estado, tem o direito de escolher a educação, de deixar património em herança, de ser reconhecida como entidade social. Nada disso impede que em cada família se encontre um, dois, três - quantos quiserem - homossexuais. Além de que a homossexualidade não é exactamente uma invenção da modernidade. O que já é frequente encontrar, e eu acompanho, é uma reacção negativa à exibição pública e estridente da homossexualidade. Orgulho Gay? Mas a orientação sexual lá é caso para se ter orgulho? Orgulho gay parece-me tão justificado como orgulho loiro, orgulho alto ou outra coisa qualquer que não se escolhe, não se domina e não se decide.
Dito isto, porque raio haveria eu de detestar Chatwin, se leio com prazer os seus livros. Porque era homossexual, ou bissexual ou lá o que fosse? Mas eu não leio nem procuro os relatos da sua vida intíma.
Mas mais. Haverá alguma contradição entre ser conservador e ler com prazer Frank Ronan? Não, nenhuma.

Ser conservador tem que ver com uma predisposição social, política, intelectual... Não tem que ver com a vida intíma.
A menos, claro, que se afirme uma coisa e se faça outra. Mas isso é tão válido para conservadorismo e homossexualidade como para tantas outras coisas...

Haverá alguma contradição em ter dezenas de amigos e amigas homossexuais - ou ser - e achar que a razão não comanda a vida nem deve comandar o mundo? Não, não há.

A menos, claro, que se queira declarar a homossxualidade como uma forma de progresso. Mas por aí não vou. Não quero acreditar que é por aí que se quer ir.

Mais conservador

CMC, do Desejo Casar respondeu ao meu blog sobre o seu a propósito do conservadorismo - e fez o favor de me mandar um mail a avisar.
Escreveu, e escreveu muita coisa com que concordo, que reconheço. Há uns anos atrás costumava fazer a pergunta clássica para separar direita e esquerda: «Liberdade ou igualdade?». Hoje em dia acho que essa pergunta já não separa tudo. Já há muita esquerda que prefere a liberdade. Hoje em dia, consciente das falhas óbvias que uma questão absoluta forçosamente encerra, pergunto antes: «o homem é tendencialmente bom ou tendencialmente mau?». E reconheço que, de facto, do lado dos conservadores há uma predisposição para encontrar nos homens uma mais comum tendência para o mal. Eu, que me digo conservador, e admitindo que a minha resposta interessa, costumo dizer que à cautela quero o mundo organizado como se o homem fosse tendencialmente mau. É que se não for, nada de grave acontece com o mundo ser assim. Mas se for ao contrá¡rio, o risco é grande demais.

De resto, a CMC diz que, para além desta tendência pessimista, e de um notório medo de falhar - não será mais certo falar de uma certeza de falhar?- o conservador só se familiariza com «o lado negro do presente e não com o seu lado resplandecente». Aí já não concordo. O conservador, como qualquer outro, reconhece o lado bom da vida, reconhece - reconheço com satisfação - que vivemos hoje melhor que ontem. Mas não ignoro que perdemos muito do que tínhamos de bom. Mas perder é uma condição da humanidade.

CMC fala ainda de um meio termo entre o conservador e o progressista. E eu digo-lhe então o que costumo dizer sobre o meu conservadorismo - que coisa, dei em citar-me - : por cada progressita é necessário que haja um conservador. E por cada conservador, um progressista. Relativismo? Não, nada disso. Equilíbrio. Acelarador e travão.

***

Só mais uma coisa.
Uma das maiores virtudes dos blogs é que encontro aqui discussões, conversas, leituras, que tenho pena de serem tão raras entre amigos à mesa de um jantar. E eu tenho amigos que gostam de discutir.

Friday, August 22, 2003

Sem título ....

O céu escondeu-se entre nuvens. As chamas das tochas bailam conforme o vento, e eu acendo cigarros. O fogo, que devorou a floresta, deixa-me reduzido às minhas particulares cinzas.

Nas praias do Alentejo

e da Costa Vicentina - recuso-me a chamar-lhe Algarve - há folhas de eucalipto queimadas à beira-mar.

A moral social

Encostado ao balcão do café, o homem lamenta-se sentidamente.Tem uma barriga disforme, pendurada sobre umas calças velhas, um anel na mão esquerda, o pouco cabelo puxado para trás e a camisa aberta até se ver o umbigo. Já bebeu tantas minis que mal se percebe o que diz, mas iniste no relato. Ao que parece, foi a casa de uma rapariga, gastou 16 contos em deslocações e serviços, não F***eu e no dia seguinte descobriu que lhe faltavam mais sessenta contos na carteira.
Agora está encostado ao tal balcão, mini na mão esquerda, a direita a aconchegar os tomates, e conta o sucedido. Do outro lado do balcão uma mulher, que faria o mesmo por menos se a aldeia inteira não ficasse a saber, avalia a situação: «agora não podes fazer nada. Se fores à GNR eles dizem-te que ela é casada e que quem não tinha nada que ir lá eras tu. É bem feito».
A Lei não diz nada disto, mas a o povo tem uma moral própria. E o mundo é diferente do que o imaginamos.

Disparates

Ana Gomes é - por opção própria e promoção do grupo - a mais recente estrela do PS. Infelizmente, sobretudo para a própria, soube-lhe bem o facto.
Ana Gomes tem-se insistido na comunicação social, sem perceber que o fascínio que agora inspira há-de ser a causa do abjecto em que se vai tornar. Há dias a senhora resolveu dizer umas coisas sobre as honras militares a Magiolo Gouveia. E não encontrou nada melhor do que fazer uns trocadilhos pobretes sobre Portas e a Moderna.
A estupidez tem, ao contrário do que a senhora imagina, consequências. Tentemos ser racionais. Portas foi testemunha num processo de provável administração danosa. O ex número dois do PS é arguido num processo de abuso sexual de menores, e está preso preventivamente.
O primeiro era testemunha, o segundo é suspeito, e inocente até prova em contrário - convém repetir estas coisas.
Pois bem, o que diria a senhora, e os respectivos camaradas, sem alguém dissesse que a sua argumentação era um claro exemplo do "abuso intelectual de eleitores" a que o PS nos vinha habituando? Diria, com razão, que era um escândalo.
Pois bem, se a senhora se desse ao incómodo de pensar antes de dizer o que pensa talvez dissesse menos disparates. Ou menos simplesmente.

On beeing conservetive

Clara Macedo Cabral, do Desejo Casar - um dos meus blogs fixos, volta ao tema do conservadorismo. Diz ela:

«Há tempos escrevi aqui um post intitulado “o conservador é um sentimental” mas depois de ler um belo poema” used words”, transcrito pela flor de obsessão, onde estão patentes as obsessões de um conservador, gostaria de acrescentar que o conservador é um defensivo, de tal modo couraçado por detrás de certezas e antídotos que impede que a vida lhe pregue surpresas, alegrias ou mágoas.
Antes de elas chegarem já ele mentalmente, intelectualmente, anulou o efeito de qualquer emoção e, assim, julga libertar-se dos golpes do acaso.
Mas ele apenas desvalorizou o presente e as ofertas da vida. CMC
# posted by Lu? : 6:51 AM»

E eu, que não tenho nada que me meter no conservadorismo, ou falta dele, de cada um, sugiro a Clara que leia Michael Oakeshott e o seu ensaio «On beeing conservative».

Não tenho que fazer grandes - ou pequenas - sugestões, mas sempre lhe posso tentar dizer, sendo um conservador, que o sentimento é bastante fácil de traduzir politicamente: exigir a quem sugere a mudança que, antecipadamente, demonstre as suas virutudes.
Quanto ao mais que diz, deixe-me dizer mais uma coisa: Diz Clara que «o conservador é um defensivo, de tal modo couraçado por detrás de certezas e antídotos que impede que a vida lhe pregue surpresas, alegrias ou mágoas». Nada disso - diz-lhe um conservador. A vida irremediavelmente vai trazer-me - já trouxe - surpresas, alegrias, mágoas e outras inadvertências. E não há couraça que me salve delas. Nem nunca contei com isso. Apenas pretendo - e apenas para mim, porque um conservador nestas matérias é também um individualista -alguma dose de previsibilidade, e de memória. Um conservador não detesta o futuro - nem, de resto, adora o passado - mas reconhece que sabe melhor viver com um do que com o outro. E tem medo, sincero medo, dos que mudam o mundo por causa da razão, da sua razão.
A sério, leia o Oakeshott e vai descobrir que ser conservador é muito mais uma questão de familiariedade com o presente - mesmo com o seu lado negro - do que uma tese absolutista sobre as virtudes do passado. De resto, quando encontrar alguém assim que se afirme conservador, desconfie.
Um conservador nunca é um absolutista, em nada. Um céptico, sim. E às vezes um cínico.

Thursday, August 21, 2003

De novo a Direita e os blogues

Leio no
De Direita
« Pergunta do vetopolítico:
então e blogues de esquerda?
A existir uma clara diferença entre a esquerda e a direita, espelha-se na nossa realidade bloguista nacional.
Será a eterna diferença entre a iniciativa interventora de uma cidadania da participação do individual na construção do colectivo e a intervenção reactiva de um colectivo contra essa construção acordada no indivíduo.
Temo que tenhamos de esperar pela decisão de qualquer comité ou circular partidária para conseguirmos ler um blogue de esquerda que faça juízo à sua ala.
Não se trata da vontade de debater pelo debate, trata-se de um ímpeto genuíno de dizer de si, de intervir, de lançar pontes, de avistar outras margens.
No que respeita à intervenção nos blogues, a esquerda portuguesa ficou-se pelas bandeiras....como em muitas outras coisas.
Onde existe uma ideologia vincada, as ideias não abundarão.
Na heterodoxia, a mudança encontra o seu habitat natural.»

E eu, que tento fugir a citar-me - há coisas manifestamente mais interessantes para fazer e ler - concordo bastante e recordo que já tinha dito - não sei é fazer link para os meus arquivos - que a maior intervenção da direita na blogosfera tinha algumas explicações evidentes, e uma delas é, precisamente, esse lado individualista. Aqui cada um escreve o que quer, sem pertencer a um projecto, uma causa, uma lógica partidária. E, também esse dado é relevante, sem pretender mudar o mundo. É essa uma das marcas inconfundíveis dos conservadores. Regresso, portanto, a essa citação de memória do Miguel Esteves Cardoso : - qualquer coisa como «não quero mudar o mundo, mas se o mundo quiser aproveitar o que faço para ser melhor, óptimo». Mesmo traindo a letra, acredito que fui fiel ao espírito do MEC. E acredito que essa marca se nota bem aqui, na blogosfera.

O que fazer com o interior deste País? II

Recebo do Tiago Rodrigues um mail a propósito do meu post mais comentado: «O que fazer com o interior deste País? Críticas. Não tens ideias? Diz-me o que é que tu fazias?»
  
...

Admitindo que se quer uma reposta - lendo o próprio do Blog:
1. Claro que sei que os seguros são caros. E sei que quem faz da floresta "banco" - é a expressão que os agricutlores usam - e não investimento, quem não teve a oportunidade de aprender a fazer desse modo de vida um negócio, dificilmente faz seguros ou toma outras medidas típicas de um investidor. O que escrevi, se ler percebe, é uma constatação de factos. O juízo de valor é bastante irrelevante.

2. O que eu fazia? No dia em que quiser mudar o mundo, mudo-me. Mas sempre posso dizer que vejo com tristeza a lógica política dos últimos 20 anos, em que se acreditou que a solução para o interior do País era transformar em floresta a área agrícola e reduzir o número de agricultores.

3. O que eu fazia? Eu, nada. Mas gostava de ver uma política de reocupação do território, de meios de transporte que tornem possível viver no campo e trabalhar na cidade, um modelo de crescimento que invista mais no interior despovoado do que no litoral sobrelotado.

E conseguia alinhar mais umas ideias, mas para começar chega.

Sem título

São sete
Da manhã e ninguém
pergunta porque ainda não fui para a cama.

Apropósito

Depois de ter lido e devorado «Raiva e Orgulho» - Difel - leio agora, num link enviado por mail, uma reportagem com
Oriana Fallaci
Mesmo não concordando com muito do que diz, fascina-me o desassombro, a inteligência e a sentida violência do que escreve e pensa. E há pelo menos uma coisa em que Oriana Fallaci está irremediavelmente certa e os comentários ao atentado em Bagdad confirmam: o Ocidente não percebeu o que aconteceu no 11 de Setembro.

O valor dos mortos II

Manifestamente, o valor de certos mortos é ideológico.

Do que vi nas televisões fica-se a saber que:
Sérgio Vieira de Melo era bom;
O atentado só aconteceu por causa da intervenção militar americana;
Os iraquianos estão a reagir à ocupação do seu país.

E eu, que sou um rapaz de raciocínios simples, achava que o que aconteceu em Bagdad foi:
um atentado terrorista;
contra as Nações Unidas.

E que isso bastava para finalmente o resto do mundo perceber que o que aconteceu em 11 de Setembro não foi um ataque à América mas sim a todos nós.

Pelos vistos não. Um funcionário da ONU foi morto por terroristas e a culpa é dos americanos.

Mesmo na morte, a ideologia consegue ser mais forte que toda a razão. E que toda a honestidade intelectual.

O valor dos mortos I

Quanto vale um morto? Quem se pode matar? Vejo o telejornal da RTP no dia do atentado em Bagdad - e do atentado em Israel - e fico sem perceber.
Sobre o que aconteceu em Israel, nada ou quase nada é dito. Um bombista suicida, um auto-carro, vinte mortos. Nada de grandes lamentos. É sempre assim, sempre que é em Israel, sempre que são judeus os mortos. E se for necessário, alguém virá dizer que este terrorismo é equivalente ao terrorismo de Estado de Israel. Uns matam, os outros também.
Não, não é. E nem me apetece discutir a tese do terrorismo de estado de Israel. Fico-me apenas pela evidência: em Israel morrem civis que cometeram o erro de ser judeus e de entrar num auto-carro. Mortos por fanáticos que nem pretendem estar a tentar assassinar assassinos. Mais nada. Não são políticos, militares, servidores do estado. São - eram - judeus. E isso, por alguma óbvia razão que me escapa, não comove.

De volta

Uns dias fora da net, fora das televisões, fora de mim. E mais uma vez o vazio no blog. Nada de grave. Um dia, a propósito da escrita, alguém que me habituei a admirar, dizia-me: «pense no que quer dizer». E se não tiver nada para dizer, não diga, acrescento eu, respeitando a lógica válida do raciocínio.
Regresso agora. Leio primeiro os outros blogs. Escrevo depois.

Friday, August 08, 2003

C. S. Lewis

Um dos blogs mais simpáticos de ler fala de C. S. Lewis. E eu, que considero um filme adaptado de um dos seus livros como o meu melhor filme, fico contente. Ainda por cima o rapaz é convicto mas não prosélito. Virtuoso.

O que fazer com o interior deste País?

Desde que começou este verão quente de 2003, quase tudo o que pode vir a ser discutido tem sido lançado. A florestação, os negócios dos bombeiros, o papel das Forças Armadas, o ordenamento do território, as responsabilidades políticas. Tudo foi prometido discutir depois das chamas. Parece-me bem, discutir parece-me sempre bem. Mas a mim parece-me ainda mais que falta discutir o resto, o que vindo por arrasto é essencial e não acessório: que fazer com o interior deste País?
Os jornais, e as televisões, insistem em explicar-me que pinhais e eucaliptais - em vez de florestação autóctone com muitas folhosas - têm uma boa dose de culpa, e eu acredito.
Os jornais, e as televisões, garantem que apenas um por cento da área ardida tinha seguro, e eu acredito.
Os jornais, e as televisões, explicam que o mato está sujo e que assim arde mais depressa, e eu não só acredito como sei que é verdade.
Mas os jornais, as televisões, e os comentadores, deixam de lado o resto, que eu continuo a achar essencial.
Apesar do post já ir longo, e prometer crescer, tentarei ser breve.
O que aconteceu este ano - e podia ter acontecido noutro qualquer - devia fazer-nos responder, de uma vez por todas, a essa pergunta: o que fazer do interior deste País?
Até pelas imagens vemos que lá no meio, onde as chamas são mais intensas, há uma pobreza bem diferente da miséria urbana. É a pobreza do campo, dos agricultores que sempre fizeram da floresta o seu banco. É gente que não tem - meu caro Guerra e pas não podiam ter, porque têm pouca terra, porque são velhos e ignorantes - seguro. É a gente que ficou. E esse é um dos maiores dramas do interior.
O que fica para lá do litoral do país é uma massa de gente que sobrou. Não é gente que ficou por opção, porque gosta mais do campo do que da cidade. Não. É gente que sobrou, que ficou de fora da história do nosso moderno "progresso". Enquanto continuarmos a ver crescer um país assim, onde se imagina que o povoamento do campo se faz com os que sobrarem lá, a floresta há-de arder, as pontes hão-de cair e outras desgraças previsíveis também vão acontecer.
Sem comboios, não é possível viver no campo e trabalhar na cidade. Sem descentralização - regionalização não, nunca - os serviços vão-se distribuindo pelo litoral, e erraticamente pelo interior, sem escolher pólos de atracção e cidades com potencial. Sem uma ideia do que se quer dessa enorme e desértica parte do país, não há política de ordenamento do território, até porque não se desconfia o que seja que se quer para o ordenamento, e poucos conhecem o território.
Os pobres que vivem no campo plantam pinheiros e eucaliptos para ganhar mais um pouco quando as colheitas são más. Essa gente, que nós desconhecemos, não vive da beleza de um medronheiro, nem ganha dinheiro com o cheiro das silvas. Sobrou no interior, e quando não trabalha nas obras, faz por sobreviver com o que arranca da terra, e rabanetes não é certamente.
Se queremos pensar o interior, teremos de pensar o que fazer com ele. E quem acredita que basta manter lá alguma gente está, irremediavelmente, errado. O que pode ser a recuperação do interior é um movimento de regresso. Tão natural como desejar ir para a cidade tem de ser o desejo, possível, necessariamente possível, de ir para o interior. O mundo de hoje tem internet, auto-estradas, caminhos de ferro. Tem maneiras de tornar possível viver distante mas perto.
E depois há os custos. Quanto nos custa, a todos, anualmente, a sobrepopulação do litoral? Quanto gastamos a construir estradas, a melhorar transportes públicos, a construir acessos e infra-estruras sempre no litoral? Muito. Acredito sinceramente que de mais.
Este post é enorme, ninguém o vai ler,e por mim ficou a menos de meio. Mas gostava, a sério que gostava, que um dia falássemos do destino a dar ao interior do País.
Até lá, foga-se.

A falta de honestidade intelectual de Louça

Bem sei que é suposto achar que Louça, mesmo criticando-lhe o tom, a voz e a pose, é um intelectual, um homem inteligente e sério. Nunca achei, e hoje (ou foi ontem?) o homem comprovou que de facto não é nem sério nem honesto.
Recolhido na Assembleia da República, o líder do Bloco declara que o Governo vai dar 50 mihões de Euros mas que os prejuízos provocados pelos incêncios ascendem a muito mais do que isso (ele disse um valor, mas como não me lembro, não vou dizer para não cometer um erro - Fosse como fosse, o que ele disse foi isto).
Ora, Louça sabe - tem de saber porque deve ter lido jornais, além de que apesar de ser do Bloco e de esquerda também tem assessores - que essa verba é parte das verbas disponibilizadas, e sabe que é a parte para entregar às vítimas directas, não às câmaras, não à totalidade dos prejudicados.

Ou seja, O BE sabe que o que está a dizer não corresponde à verdade, mas sabe que soa bem, e por isso o diz. Nada de muito extraordinário na vida política, mas convinha que pelo menos estes senhores não continuassem a ser tratados como se fossem sempre mais sérios que os outros.

Corporativismos

Os enferemeiros fazem greves a exigir o fim dos recibos verdes, os médicos fazem greve às horas extraordinárias, os professores costumam reclamar da progressão na carreira - uma coisa notável onde um professor de inglês pode ser promovido por ter horas formação em cerâmica - os juízes querem ganhar mais que o Presidente da República, os jornalistas reagem em coro contra qualquer crítica à comunicação social, os polícias manifestam-se à civil quando um colega é detido, as empresas de pirotecnia reclamam da proibição de lançar mais foguetes para as chamas deste verão.
Quando se critica uma privatização, nunca é pela bondade ou maldade da opção, é sempre por causa dos putativos interesses dos trabalhadores - regra geral ficam melhor, mas isso é secundário. Se alguém diz que os bombeiros fazem negócios com os equipamentos de combate ao fogo, ai Jesus que estamos contra os bombeiros, e se reclamamos por uma reforma meritocrática da função pública, logo saltam os sindicatos, jurando a pés juntos que os servidores do Estado são todos valorosos trabalhadores.
A lista de reclamações corporativas é infindável e, na verdade, previsível. Os sindicatos defendem quem tem emprego, não o trabalho; as associações de empresários defendem o lucro, não a economia, e a lógica prossegue. Legítima, de resto. O mal é que os consumidores não têm quem os defenda, os pais e os alunos não são uma classe profissional, os leitores de jornais e os que vêm televisão não pertencem a nenhuma associação. E por aí fora.
Claro que há um mercado, e que a sua mão mais ou menos invisível nos vai regulando, mas a verdade é que a sonoridade das corporações é mais forte que outra qualquer. E a prevalência dos seus interesses igualmente. Regra geral os interesses das corporações não é o dos consumidores, mas é muito vais visível e noticiada. E essa é, também, uma das nossas desgraças. Uma das maiores.

Wednesday, August 06, 2003

Uma palavra?

Amar-te-me

Tuesday, August 05, 2003

Mais uma

Tentativa de organizar o blog. Veremos como corre.

Ironias da net - parte II

Na sequência do anterior post, resolvi passar a pedir que me enviem para achoeu@yahoo.com outros sites com endereços igualmente surreais. É tipo concurso de Verão, só que aqui o que se espera que seja disparatado é o lado das respostas.

Obrigado.

Ironias da net

A internet e a sua escrita por vezes produz maravilhas. O site dos que querem lutar pela manutenção do nome do antigo liceu Padre António vieira é: www.salvarpadre.no.sapo.pt

"Salvar padre no sapo" dava um belo título surrealista. Ou um conto infantil, se quiserem.

O lobby gay

"Ferro, para além de feio, não tem garra." O autor da frase é aquele rapaz de Aveiro que dá pelo nome de Carlos Candal. Querem ver que afinal ele faz parte do lobby gay e quer um homem bonito?

Também tenho direito à minha private silly season.

Vantagem para o Burger King

José Bové foi libertado pela Justiça Francesa. Frequentadores do Mc Donalds, cuidai.

O capitalismo também é assim

Encontro num bar de verão um jornalista dos que me habituei a gostar de ler. «Que andas a fazer», pergunto, convencido de que ainda está onde o li da última vez. «Nas obras», diz ele. E mostra dois calos nas mãos. E eu, muito estúpido: «também andei a pintar a minha casa».

Um dia mau, e um dia bom

A "minha praia" foi ocupada. Era um sítio discreto, tem um acesso impossível para famílias, senhoras gordas, homens coxos e gente que gosta de muita gente à volta. Ontem descobri-a invadida por 53 pessoas. Cinquenta e três, contei-as eu.
Perdi uma praia.

*

Não desistir tem vantagens. Meia hora de caminhos perdidos em terra batida e descubro uma nova praia, mesmo vazia e abandonada, no meio da costa Vicentina. Se as praias têm lotação, como os autocarros, esta dá para três pessoas, vá lá, quatro.
Já tenho onde passar as férias.

Querem saber como vai ser depois?

Foi há três anos. Quando aqui tentei chegar já não se podia passar. De um lado e do outro, os bombeiros e a polícia impediam a passagem, e mais à frente eram as chamas e o fumo que a tornavam impossível.

Fiz contas às distâncias, medi a direcção do vento, dei a volta à estrada e fiquei a ver a enconsta de minha casa coberta de fumo e chamas. Lembro-me de atender o telefone e não saber o que dizer até que confessei a quem a pagou «acho que ardeu», lembro-me de tentar subir a rua com uma garrafa de água na mão e a cara tapada e de ser obrigado a voltar. Lembro-me de finalmente convencer um louco a arriscar atravessar de moto as chamas para me deixar no cruzamento, de lhe perguntar se ele ia comigo, de o ver partir com cara de quem se despede de um perdido, de nem o muro da casa ver por causa do fumo, e de finalmente a encontrar, inteira, intacta, com dois carros de bombeiros estacionados à porta.
Primeiro pendurei-me no pescoço de um bombeiro e agradeci-lhe, depois entrei em casa tão espantado, tão sem ser capaz de pensar, que andei a ver se haveria fogo dentro de algum armário, apesar de ser evidente que nada tinha acontecido. Reguei inutilmente o telhado, e depois acendi um cigarro, no meio do fogo acendi um cigarro, sentei-me e fiquei a ver o que nunca mais voltaria a ser igual.

Dois anos e meio depois recebi uma ordem da Polícia Municipal para ir assinar um documento oficial que dizia que eu estava autorizado a cortar as árvores ardidas. Dois anos e meio depois. Acho que tentei dizer que «felizmente já cortámos todas as que ao longo destes dois anos podiam ter caído no meio da estrada», mas não juro que tenha chegado a ter paciência. E passou-se mais meio ano, o mato continua sujo, as árvores que não foram cortadas eternizam a memória do fogo e leio nos jornais que há um plano de arborização que não consigo encontrar.

Foi há três anos, numa terra onde em todos os outros anos houve fogo. Só este ano é que ainda não, mas este ano já não há mais nada para arder. De alguma maneira isto haveria de acabar.

Organização

Ou quase. De vez em quando dá-me para isto, tentar ser organizado. Depois do Cruzes Canhoto ter gozado com a minha desgraçada falta de técnica, enchi-me de cuidados e tentei acertar com a barra aqui da direita. Pelo menos estão lá os links, ainda que muito desorganizados, mas eu só disse que tentava ser organizado, não disse que conseguia.
De qualquer maneira, aqui fica uma primeira versão dos primeiros links acumulados nos favoritos. É um critério. Por ordem alfabética ficava mais bonito mas, inisisto, eu só disse que ia tentar ser organizado.

E também já lancei a minha campanha de assinaturas. Não ofereci bonés de praia, nem toalhas, mas mandei uns mails. A verdade é esta - ops, back to metabloguismos - se se anda por aqui é por que se quer ser lido. E um grande abraço para o senhor Eduardo PC do Público também.

Sunday, August 03, 2003

Escreve melhor, escreve. E diferente.

Leio no Thomaz que O Dicionário terá dito na NTV que «se escreve neste momento, melhor nos blogues, do que nos jornais». Thomaz não concorda. Eu concordo, e muito. Uma das maiores descobertas que fiz desde que por aqui ando é que afinal escreve-se, ou pelo menos há quem escreva, muito melhor do que eu pensava. E há gente que nunca apareceria nos jornais que quer dizer coisas que valem a pena ser ouvidas.
Há imensos exemplos e um dia destes vou ter tempo de fazer a minha listinha deles, mas para já limito-me a reconhecer que gosto mais destes artigos de opinião do que da maior parte dos que leio nos jornais.
A variedade fascina-me, a inteligência atrai-me. Só isso.




Universos transversais

A dez quilómetros daqui, para Oeste, corre o maior festival de transe da Europa, ou lá o que é. 75 Euros para entrar, música non stop, pastilhas, gajas semi-nuas, charros, mil e tal pessoas, tudo muito cool.

A dez quilómetros daqui, para Norte, há festa em Luzianes. Duzentas pessoas, mulheres a dançar com mulheres, homens abraçados a uma mini, rapazes ao balcão e um rapaz de acordeão que imita êxitos de gente desconhecida.

Só o céu é o mesmo.

O inferno dos outros

É bom para passar na televisãoo. A tragédia dos fogos, o espetáculo das chamas, as cabras carbonizadas, a carrinha ardida e até - eu vi, eu juro que vi - o corpo de um homem morto dentro de uma carrinha. A tragédia fascina, devora, faz-nos sentir parte do que quer que seja que está a acontecer. Mexe connosco. E no entanto, para lá das reportagens em tom estridente, do repórter que sofreu imenso e teve de voltar para trás por causa das "chamas enormes", para lá de tudo isso há a tragédia individual, o desastre que é para cada uma daquelas pessoas aquele fogo. Só aquele.
Conheço bem o sentimento. O crepitar violento que se vai aproximando, o fumo, não ver nada, tentar advinhar o que ficou destruí-do, perder para sempre aquela geografia, olhar para o lugar de sempre e nunca mais ver o mesmo. Ter medo, pânico, de cada dez que se solta fumo, por mais distante que seja. Perder, ou temer perder, tudo no rasto do incêndio. A desgraça verdadeira não é o artigo de jornal ou a peça de televisão, é a tragédia individual, a impotêcia, o fim.
Há sempre um mal maior, haverá sempre outro mal, mas perder - ou temer perder - tudo sem poder reagir, sem haver nada que se possa fazer, é essa a história de cada uma das vítimas destes incêndios.
O resto - as culpas, as falhas, os desleixos, as críticas - o resto é importante, muito importante, mas é só para os outros, para nós. Para quem perde, uma árvore, um terreno, uma casa ou um jardim, é tudo.

A estupidez, parte II - agora a dos outros.

Não li no Público, mas li no Aviz que o senhor Eduardo Prado Coelho acha que é grave o facto de muitos bloggers «se sentirem autorizados a escrever». A maior vantagem do homem escrever coisas assim é que nos vai lembrando de todas as excelentes razões para não gostar dele. A frase, confiando - e eu confio - na referência, é tão absurda que dói. Ao que parece o cavalheiro acha que há um percurso legitimador até se atingir o orgástico direito à escrita. Para lá da imbecilidade do conceito, e da contradição com tudo o que sejam pressupostos de liberdade, o mais fascinante é o nível de ignorância que a declaração revela. EPC, como a maioria das criaturas do género, considera-se um iluminado, um portento intelectual, e, por maioria de razão, uma voz a ser escutada com veneranda - descobri há dias que colenda é a palavra exacta - atenção. Só ele, e quem pensa como ele, pode escrever para ser lido pelas multidões ignorantes. É um absurdo, mas não é assim tão grave. Mais grave é o resto. Ao dizer o que terá dito, EPC revela uma ignorância brutal sobre a comunicação social. Os jornais, as rádios, as televisões estão cheias de ignorantes que debitam opiniões - próprias ou cedidas - como se fossem notícias verdadeiras e verdades absolutas. EPC ou não vê, não ouve e não lê, ou então ouve, vê e lê e não percebe nada.
A maior virtude deste espaço é a Liberdade. Liberdade com L maíusculo, Liberdade individual, coisa que EPC e o género manifestamente não apreciam. Aqui ninguém é obrigado a escrever, ninguém é obrigado a ler e ninguém vale mais do que a sua opinião. Por mais assertivos que sejam, e muitos são, os blogs são desabafos, desejos, estados de alma, opiniões, histórias, versões. São uma parte da realidade. Mas são uma parte livre. EPC sabe, e deve gostar, que na comunicação social o espaço para a opinião é consignado segundo critérios que vão muito para lá da qualidade da escrita ou da excelência da opinião. É assim e é natural que assim seja.
Nos blogs não. Aqui o espaço é livre e o território nunca está definitivamente ocupado. É uma questão de liberdade. E, cada vez estou mais convicto disso, esta gente dá-se bem com as liberdades colectivas, mas detesta as individuais. São indomáveis e às vezes desalinhadas. Uma maçada.

- Estás sozinho?
A pergunta é sempre feita num tom que fica entre o pudor, o espanto e a incompreensão.

- Sim, estou.
Para mim não há nada de mais natural do que a solidão desejada. «I don't like to be lonelly, but I like to be left alone». Mas eles acham estranho, acham sempre estranho. Numa praia, só? Num bar, só? De férias, só? Só, só isso. Que mal tem? Nenhum. Que bem tem? Nenhum também. Gosto de estar com os outros, mas também gosto de estar comigo. Gosto de olhar, de ouvir a conversa dos outros, ou de ficar longe, só. Serei Voyeur? Talvez. Provavelmente sim. Ficava melhor dizer observador, mas não, a vida dos outros interessa-me, fascina-me. À distância, é certo, mas gosto de lhes ver os sorrisos, de perceber os olhares, de escutar. Gosto dos outros o suficiente para lhes prestar atenção, e qundo fico só tenho muito maior disponibilidade para isso. E gosto de mim. Moderadamente, é certo, mas o suficente para me aturar sozinho sem ter de impôr a ninguém o dever de me partilhar. É simples, e no entanto eles perguntam, entre o espanto, o pudor e a incompreensão: «estás sozinho». Agora estou, depois logo se vê.

Saturday, August 02, 2003

Sem título

O maior desastre das nossas vidas é ser sempre tarde de mais para corrigir o passado.


E já estou arrependido de ter escrito de forma tão veemente.

Ignorar

A maior virtude da bebida é fazer-nos esquecer o futuro.



Amanhã arrependo-me do que escrevi hoje. Mas felizmente será demasiado tarde.

Humm

E se eu morrer
que falta fazes
tu?

A estupidez

Cansa-me. Sobretudo a minha.

Best off

Mais um bocadinho e encho-me de coragem para trabalhar no post, e fazer imenso links. Para quem gosta de escrever - e eu gosto - ler é muito melhor. E no últimos tempos descobri uma multidão de gente que gosto de ler. Tem graça, deve ser deformação, mas mesmo nos blogs com personalidade múltipla não demoro muito a identificar os que mais gosto de ler. E até identifico assinaturas anónimas.

Por acaso nçao haverá por aí um desempregado qualquer que queira fazer um arranjo floral neste blog e enchê-lo com os meus favoritos (é assim que diz o meu computador)?

E o ódio?

Porque é que ninguém fala dele? Pede-se por aí - falta-me jeito e treino para os links -do amor na bloglândia. E do ódio, quem fala? Não é só do amor que tememos falar, por ser intímo, ridículo ou outra coisa qualquer. do ódio nunca dizemos nada. Vá, venha quem diga que odeia quem quer que seja, sem sentido nem razão, só por esse sentimento primeiro de detestar. Vá lá.
Somos movidos pelo amor e pelo seu desejo? Claro que sim. E pelo ódio, pela inveja, pela desilusão, pelo desepero, pela raiva. Os sentimentos inomináveis também nos movem. E, por favor, não me digam que odiar ´é amar e coisa e tal". Somos humanos, carregados de defeitos, desastres, erros, imperfeições, humanidades.
Não sejamos honestos, que não é preciso. Mas não vamos fingir que somos. Ao menos isso.

Diferenças

A falta de variedade na comunicação social sempre me irritou. Parecem todos saídos do mesmo sítio, a falar do mesmo e da mesma maneira. O universo dos blogs - não me aborreçam com meta-bloguismos - é mais variado. Fico simplesmente satisfeito de ver que há gente a pensar e há mais diferenças do que na comunicação social é costume encontrar. Se uma das sumidades do costume quiser explicar porquê fico agradecido.

Ps (salvo seja): não me venham com a conversa das gralhas. Aqui não tenho corrector ortográfico, nem dinheiro para pagar um desk. E, sim, estou meio indisposto. Bahh. Vale tudo menos tirar posts.