Ao que parece, o comício do PS terá sido considerado uma coisa enfadonha e desinteressante, onde o Dr. Ferro terá dito umas coisas desagradáveis sobre o PP, Portas e a putativa direita radical. Mais ainda, apesar do próprio ter feito questão de anunciar no Expresso que era isso que ia dizer, tem havido queixume sobre a excessiva importância dada a essa parte do discurso.
Não vi, nem ouvi. Mas tenho opinião (reconheço que o facto pode fazer de mim apenas mais um português típico, mas arrisco). Até porque o mais relevante é a intenção do discurso, e essa parece ser óbvia. E, estou convencido, com resultados desastrosos.
Ferro escolheu atacar Portas e o PP, numa lógica de Bloco Central. O que o senhor quer que o eleitorado do centro que vota PSD pense é que o seu partido, e o primeiro ministro por acréscimo, estão reféns da "alegada", como agora se diz muito, direita radical de Portas.
Para que o eleitorado de centro do PSD fosse sensível ao discurso de Ferro, era necessário que visse ali alguma semelhança com a realidade. Sem histerias, tem de se reconhecer que não há. Por mais que o Público escolha a imagem de Portas a benzer-se para ilustrar a homenagem a Maggiolo Gouveia, a Pátria não encontra, nem sequer naquela imagem, um sinal de fúria radicalista de direita. Pode até haver quem ache o episódio desnecessário, mas dificilmente o Centro sente o regime atacado, ou o sistema em perigo.
Portas será desagradável para muita gente de centro, mas o governo é manifestamente dirigido por Durão e pelo PSD. Tentar fazer crer que não é assim é um erro duplo. Em primeiro lugar, porque o país fica a achar que como analista o líder do PS é fraco. Em segundo lugar, porque está ao mesmo tempo a dizer que o mal não é o PSD, é o outro.
Além disso, corre o risco de parcer mais candidato a ministro de Estado e de outra coisa qualquer do que a Primeiro ministro. Ou seja, parecia alguém a queixar-se de ser preterido. É pouco para líder do maior partido da oposição, é mau para suposta alternativa.
Por último, o problema dos radicais. Ferro acha o PP radical. Acontece que o país, ao que parece, não concorda. Pelo menos em quantidade suficiente para obrigar ao fim da coligação. Em compensação, Ferro um dia terá de dizer se acha o Bloco ou o PC, ou ambos ou apenas um deles, radicais. E aí corre o risco de que o país os ache. Por mais que a comunicação social goste do Bloco, o país dificilmente se pode rever neles. Mais, facilmente o dito eleitorado de centro é bem capaz de não encontrar grande graça na agenda do Bloco, que é tudo menos atractiva para o centro, para as classes médias. E quanto ao PC? Era interessante ter um dia uma sondagem feita nos eleitores do centro, sobre a eventualidade dos comunistas terem um ministro num governo do PS. Admitindo que pouca gente de centro - que muitas vezes vota PS porque mais à esquerda era incapaz - aceitaria ver Carvalhas como Ministro do Trabalho, não custa tirar as consequências.
Ou seja, politicamente Ferro escolheu um beco, e pessoalmente manifestou um ódio. Manifestamente pouco eficaz. Pouco, portanto.
Resta outra interpretação. Ferro limitou-se a mudar de táctica mantendo a estratégia. Ou seja, fazer tudo por tudo para que o governo caia derrubando o segundo parceiro da coligação. Foi o que se viu no último ano com a Moderna. Este ano será com o quê? Tenho as minhas suspeitas, mas deixe-se o tempo passar.