Desde que começou este verão quente de 2003, quase tudo o que pode vir a ser discutido tem sido lançado. A florestação, os negócios dos bombeiros, o papel das Forças Armadas, o ordenamento do território, as responsabilidades políticas. Tudo foi prometido discutir depois das chamas. Parece-me bem, discutir parece-me sempre bem. Mas a mim parece-me ainda mais que falta discutir o resto, o que vindo por arrasto é essencial e não acessório: que fazer com o interior deste País?
Os jornais, e as televisões, insistem em explicar-me que pinhais e eucaliptais - em vez de florestação autóctone com muitas folhosas - têm uma boa dose de culpa, e eu acredito.
Os jornais, e as televisões, garantem que apenas um por cento da área ardida tinha seguro, e eu acredito.
Os jornais, e as televisões, explicam que o mato está sujo e que assim arde mais depressa, e eu não só acredito como sei que é verdade.
Mas os jornais, as televisões, e os comentadores, deixam de lado o resto, que eu continuo a achar essencial.
Apesar do post já ir longo, e prometer crescer, tentarei ser breve.
O que aconteceu este ano - e podia ter acontecido noutro qualquer - devia fazer-nos responder, de uma vez por todas, a essa pergunta: o que fazer do interior deste País?
Até pelas imagens vemos que lá no meio, onde as chamas são mais intensas, há uma pobreza bem diferente da miséria urbana. É a pobreza do campo, dos agricultores que sempre fizeram da floresta o seu banco. É gente que não tem - meu caro
Guerra e pas não podiam ter, porque têm pouca terra, porque são velhos e ignorantes - seguro. É a gente que ficou. E esse é um dos maiores dramas do interior.
O que fica para lá do litoral do país é uma massa de gente que sobrou. Não é gente que ficou por opção, porque gosta mais do campo do que da cidade. Não. É gente que sobrou, que ficou de fora da história do nosso moderno "progresso". Enquanto continuarmos a ver crescer um país assim, onde se imagina que o povoamento do campo se faz com os que sobrarem lá, a floresta há-de arder, as pontes hão-de cair e outras desgraças previsíveis também vão acontecer.
Sem comboios, não é possível viver no campo e trabalhar na cidade. Sem descentralização - regionalização não, nunca - os serviços vão-se distribuindo pelo litoral, e erraticamente pelo interior, sem escolher pólos de atracção e cidades com potencial. Sem uma ideia do que se quer dessa enorme e desértica parte do país, não há política de ordenamento do território, até porque não se desconfia o que seja que se quer para o ordenamento, e poucos conhecem o território.
Os pobres que vivem no campo plantam pinheiros e eucaliptos para ganhar mais um pouco quando as colheitas são más. Essa gente, que nós desconhecemos, não vive da beleza de um medronheiro, nem ganha dinheiro com o cheiro das silvas. Sobrou no interior, e quando não trabalha nas obras, faz por sobreviver com o que arranca da terra, e rabanetes não é certamente.
Se queremos pensar o interior, teremos de pensar o que fazer com ele. E quem acredita que basta manter lá alguma gente está, irremediavelmente, errado. O que pode ser a recuperação do interior é um movimento de regresso. Tão natural como desejar ir para a cidade tem de ser o desejo, possível, necessariamente possível, de ir para o interior. O mundo de hoje tem internet, auto-estradas, caminhos de ferro. Tem maneiras de tornar possível viver distante mas perto.
E depois há os custos. Quanto nos custa, a todos, anualmente, a sobrepopulação do litoral? Quanto gastamos a construir estradas, a melhorar transportes públicos, a construir acessos e infra-estruras sempre no litoral? Muito. Acredito sinceramente que de mais.
Este post é enorme, ninguém o vai ler,e por mim ficou a menos de meio. Mas gostava, a sério que gostava, que um dia falássemos do destino a dar ao interior do País.
Até lá, foga-se.