Para começar, e ao contrário de alguma inteligência pátria, não acho que o país tenha de facto virado assim tão radicalmente à esquerda. É evidentemente impensável que quase setenta por cento dos portugueses - excluindo, e mal, alguns eleitores do PSD que são mais de esquerda do que de direita - se situe politicamente entre a esquerda e a extrema-esquerda radical e populista. E se o PS pensa que sim, vai rapidamente descobrir que há eleitores que se vão sentir enganados.
Ou seja, aquilo que me parece é que o PS recebeu, mais ou menos a título de empréstimo, o voto de muitos eleitores moderados que entre os sacrifícios assumidamente pedidos pelo centro-direita e as promessas de facilidade do PS, preferiram o caminho da facilidade. Resta saber se encontraram por aí o caminho da felicidade, mas isso é outra conversa. Além disso, acredito que muitos foram votar para garantir que o PS não dependeria de uma maioria de esquerda radical. Um pouco como, há quase vinte anos, alguns eleitores de centro direita votaram Soares para evitar que a segunda volta fosse entre Freitas e Salgado Zenha ou Pintassilgo.
Por outro lado, parecem ter havido dois movimentos na direcção do Bloco de Esquerda. Por um lado, uma deslocação de voto do PS para a sua esquerda mais radical, muito motivado exactamente por algum desconforto com o tom centrão que o PS deu ao seu discurso eleitoral. Por outro, um movimento vindo directamente dos novos eleitores e da abstenção, em favor de um discurso populista, fácil e demagógico, mas que sendo de protesto e quase monotemático, o torna atraente.
É evidente que o Bloco, com três deputados, se podia dar ao luxo de falar de facto apenas de duas ou três coisas: droga, aborto e direitos dos homossexuais. Resta saber se um Bloco com oito deputados pode continuar a seguir esse caminho. A demagogia é natural num partido de protesto, mas é dificilmente aceite num partido que cresce como o Bloco cresceu.
Por último, há ainda que reconhecer que algum do encantamento que muita comunicação social tinha com o bloco esmoreceu ao longo da campanha, por causa da campanha e das declarações dos dirigentes do bloco. E aqui há que dizer que o crescimento do Bloco, o avanço da extrema-esquerda, revela que o centro-direita não tem sabido travar um combate cultural com esta força poderosa que é uma mistura de bons sentimentos com soluções aparentemente fáceis e uma enorme dose de demagogia. Visto pelo bloco o mundo seria um lugar encantador se houvesse aborto livre, drogas livres e casais homossexuais a adoptar plenamente. Acontece que o mundo não é assim, e aqui nós, centro-direita, cometemos ao longo dos últimos anos o erro de não travar de frente este combate essencialmente cultural. Esse sim é um aspecto essencial para a reorganização do centro-direita.
E então, finalmente a direita e o centro-direita.
No essencial, e resumidamente, a maioria foi interrompida a meio do mandato, no pior dos momentos, foi interrompida por um Presidente que se colocou de um dos lados da contenda eleitoral, e acabou, um pouco previsivelmente, por pagar o preço eleitoral de uma política de sacrifícios. Coisa em que o PS devia pensar, porque vai ser um governo de 4 e não apenas de dois anos e portanto vai ter de governar o país e não uma tenda de circo que se monta e desmonta.
Quanto aos partidos, julgo que o PSD terá oportunidade de fazer uma reflexão interna e não entro por aí.A minha tese é que o PSD vai escolher a via do meio, e no fundo dar ao eleitorado aquilo que acha que lhe faltou, um partido igual ao do governo, mas que promete mais fácil. Esta é uma das características mais estranhas do nosso sistema eleitoral, mas é o que temos. Dois partidos de centro que disputam o mesmo eleitorado volátil.
Já quanto ao CDS, e deixando para outro post uma discussão mais longa sobre o que eu gostava que fosse este espaço, noto duas ou três coisas.
O CDS teve um mau resultado, sobretudo tendo em conta a fasquia que nós próprios colocámos e as expectativas que se tinham generalizado tanto em nós como em alguma comunicação social, e isto porque a esse nível era reconhecido que o CDS chegava às eleições com obra feita de que se podia orgulhar, com um discurso sereno e com um estilo de campanha com propostas.
O que falhou? A verdade é que o CDS passou a ser um partido do arco da governabilidade, e isso obriga-o a um tipo de comportamento diferente dos que são militantemente partidos anti-sistémicos. E há um aspecto sobre o qual é importante reflectir. O CDS cresceu junto de um determinado eleitorado, mais urbano, e perdeu junto do eleitorado menos urbano. Cresceu o CDS nesta nova versão de "direita civilizada" como eu gosto de lhe chamar, mas que lhe podem chamar liberal ou conservadora de tipo britânico que também é verdade.
Pelo contrário, perdeu o lado PP, o lado mais popular, mesmo mais populista, com discurso mais atraente para os eleitores de protesto.
Terá isto sido por força de um modelo de campanha menos popular? Se sim, então o problema é táctico, é de método. Embora eu ache que não.
Ou será que perdeu pelo simples facto de carregar o ónus da governação? Bom, mas esse é o custo de ser um partido do arco da governabilidade. Isso, mais do que nomes, sucessões ou secessões, é o que o CDS tem de discutir. Ou melhor, primeiro que tudo, convinha de facto discutir neste espaço político que tipo de representação queremos, e digo-o com o topete de quem não é filiado mas é politicamente definido.Bom, mas sobre isto virá outro post.