Visto de longe, só nas páginas do Público - sem link -, a entrevista de Soares é uma exibição confrangedora de vazio. Mais do que confuso, Soares mostra não fazer a menor ideia do que se passa à sua volta. E quando faz, mostra-se irritado com o desacordo ou a simples dúvida. Mais distante da realidade e crispado com o mundo não há.
Veja-se:
Sobre alternância e uma maioria não de esquerda, diz que o país é de esquerda e que só por causa da euforia é que houve duas maiorias absolutas de Cavaco. É isso, foram tempos muita malucos. Mas nada que se deva ao trabalho do "gajo", presume-se.
Sobre uma vitória de Cavaco, diz que aceitaria se fosse legítima, mas depois não explica se acha que faltam condições de legitimidade. Diz que tem havido muita pressão da comunicação social, mas depois não conclui; diz que o problema é quem está por trás da candidatura, mas não explica quem é nem que perigo representa; diz que é quem trata do marketing mas depois diz que não é quem trata do marketing, irrita-se e diz que quer é falar de si; e diz que tem uma agência de comunicação a trabalhar para si mas que afinal a agência não faz nada e o pouco que faz vai fazer de borla por ser tão pouco.
Diz que dá um bom PR porque foi o homem de todos os momentos difíceis, mas depois diz que foi um presidente de momentos fáceis, e acha que isso foi porque foi muito bom presidente. Deve ter sido isso e a euforia.
Diz que o risco de eleger Cavaco é a crispação e depois confunde o ministro da administração interna francês - que já nem os franceses atacam com tanta fúria - com o presidente português para concluir que o que fazia falta era o Mitterrand, que com Mitterrand não tinha havido a crise do mês passado em França. isto tudo para demonstrar que Cavaco é um "crispante".
Resolve então explicar que quer ser Presidente para ouvir as minorias, aceita como bons os exemplos do convívio que lhe mereceram os terroristas do Herri Batasuna e Craxi, mas acha que perguntar se voltaria, como no segundo mandato, a convocar os jornalistas de cada vez que recebesse as ditas minorias é uma questão demasiado abstracta e fora da realidade.
Garante que as relações com Cavaco foram sempre cordiais, mas acredita que o "gajo" em Belém é motivo de crispação.
Mas a coisa ainda melhora.
Falam-lhe do aumento das taxas de juro pelo Banco Central Europeu e Soares acha que o BCE fez isso para "estimular" a economia europeia. Já nem consegue distinguir o combate à inflação da estimulação da economia.
Insatisfeito, resolve confundir o défice com o cheque britânico e justifica a confusão com os défices francês e alemão. Um granel.
Depois desta baralhada, resolve então falar do que acha que é prioritário: "desenvolver o espírito de concórdia nacional à volta de grandes objectivos, a que chamei desígnios nacionais - o cavalheiro acha que inventou o termo -".
Galopante no disparate, Soares confessa que a sua "orientação neste momento é a esquerda". Depois logo se vê, presume-se. E depois, volta a ter uma grande ideia para Portugal: um país impoluto em matéria de direitos humanos para ter um grande papel na cena internacional.
Mas a cereja, como é de bom tom, vem no final: "Cavaco Silva tem banqueiros e eu suponho que na minha comissão de honra não tenho banqueiros". Pronto, está descoberto o que o separa de Cavaco: Soares não tem essa malandragem dos banqueiros com ele.
"Mas teve em eleições anteriores", dizem os jornalistas.
"Se me dá licença, no passado tive-os todos".
Pois teve Dr. Soares, pois teve. Aos banqueiros e aos eleitores. E agora não tem. Dá para perceber a diferença?
Soares está crispado, irritado e distante da realidade. Tudo o que não precisamos num Presidente da República.