A vida dos outros, a intimidade dos conhecidos, não me interessa. O que é privado é para ficar aí mesmo, atrás de um portão e de um muro. Mas a privacidade dos estranhos, confesso, atrai-me.
Gosto de ouvir as conversas das mesas do lado, espreitar o livro que quem também vai no autocarro está a ler, ver as caras dentro dos outros carros e imaginar vidas. A graça é essa. Podemos invadir a privacidade dos estranhos porque, na verdade, não invadimos nada nem lhes roubamos coisa nenhuma.
Em Amesterdão as casas, os restaurantes, os cafés, todos os lugares têm janelas grandes abertas sobre a rua. Provavelmente por causa do pouco sol, do muito cinzento e do civismo dos indígenas, que não se metem na vida uns dos outros. E é isso que faz desta cidade um lugar tão livre. Não as putas, os bares gays ou a droga. Isso é a excitação que cada um tem com a liberdade que não conhece. O que faz de Amesterdão uma cidade livre são as janelas, por onde eles não espreitam. Mas nós, nós somos estranhos de passagem, nós podemos.